Suponho que o que me esteja a acontecer por estes dias fosse por algumas pessoas, mais inclinadas para o exagero ou para a credulidade sobrenatural, designado por ligeira assombração. É que tendo tu já falecido há uns anos a esta parte, não faz grande sentido eu andar agora a encontrar o teu nome e a tua figura um pouco por todo o lado. Não te ofendas se eu utilizar isto como matéria para um textinho. Longe de mim querer implicar com gente do teu recém-adquirido estatuto. Ainda para mais fomos uma espécie de amigos durante o curto tempo que por aqui andaste.
Queres que te recorde, assim num apanhado resumido, as ocasiões em que me tens aparecido recentemente? No outro dia, a arrumar uma papelada, veio parar-me às mãos um trabalho teu da faculdade para uma cadeira de literatura portuguesa. Revisitavas Pessoa. Confesso-te nunca ter lido esse teu ensaio com a atenção devida. Depois foi num debate público sobre revistas literárias a que tive a triste ideia de assistir. Numa dessas publicações, de sugestivo título Cráse e sóbria aparência, lá figuravas tu com um poema. Hão-de sempre brilhar em revistas ou antologias as composições de poetas recém-falecidos, especialmente se jovens, desconhecidos e suicidários. Daí também ter lido ontem na revista da nossa faculdade uma "breve abordagem à obra e vida de José Gonçalo Bernardo Castello Branco", assim mesmo, com toda esta simpática pompa. E por fim, já esta noite, sonhei que ali na Rua da Imprensa Nacional, onde tantas vezes me cruzei contigo (eu a caminho de casa e tu em visita a um amigo que habitava na residência académica que por ali há), dois grupos de rufias se enfrentavam ao soco e pontapé. Eu assistia assustado a uns metros de distância. E tu fugias rua abaixo, o corpo lesto e ágil, parece-me que correndo mais por pressa em chegar a um compromisso urgente do que propriamente para escapar à escaramuça.
Não nos chegámos a despedir, Gonçalo. Dadas as circunstâncias, talvez não te tenhas despedido de ninguém. Mas isto não é uma elegia a um poeta desaparecido. Não leves a mal, mas não me ficaria bem tender agora para o sentimentalismo. Vou ler a tua poesia mais de perto. Talvez um dia ainda falemos sobre isso. Já tenho preparadas duas linhas de um diálogo nosso daqui a uns tempos, no além. Um diálogo assim à filme de grande fôlego. Tu dizes, eu estava muito doente. Ao que eu respondo, com supremo sentido de oportunidade, weren't we all?
Queres que te recorde, assim num apanhado resumido, as ocasiões em que me tens aparecido recentemente? No outro dia, a arrumar uma papelada, veio parar-me às mãos um trabalho teu da faculdade para uma cadeira de literatura portuguesa. Revisitavas Pessoa. Confesso-te nunca ter lido esse teu ensaio com a atenção devida. Depois foi num debate público sobre revistas literárias a que tive a triste ideia de assistir. Numa dessas publicações, de sugestivo título Cráse e sóbria aparência, lá figuravas tu com um poema. Hão-de sempre brilhar em revistas ou antologias as composições de poetas recém-falecidos, especialmente se jovens, desconhecidos e suicidários. Daí também ter lido ontem na revista da nossa faculdade uma "breve abordagem à obra e vida de José Gonçalo Bernardo Castello Branco", assim mesmo, com toda esta simpática pompa. E por fim, já esta noite, sonhei que ali na Rua da Imprensa Nacional, onde tantas vezes me cruzei contigo (eu a caminho de casa e tu em visita a um amigo que habitava na residência académica que por ali há), dois grupos de rufias se enfrentavam ao soco e pontapé. Eu assistia assustado a uns metros de distância. E tu fugias rua abaixo, o corpo lesto e ágil, parece-me que correndo mais por pressa em chegar a um compromisso urgente do que propriamente para escapar à escaramuça.
Não nos chegámos a despedir, Gonçalo. Dadas as circunstâncias, talvez não te tenhas despedido de ninguém. Mas isto não é uma elegia a um poeta desaparecido. Não leves a mal, mas não me ficaria bem tender agora para o sentimentalismo. Vou ler a tua poesia mais de perto. Talvez um dia ainda falemos sobre isso. Já tenho preparadas duas linhas de um diálogo nosso daqui a uns tempos, no além. Um diálogo assim à filme de grande fôlego. Tu dizes, eu estava muito doente. Ao que eu respondo, com supremo sentido de oportunidade, weren't we all?
4 comentários:
Muito bem escrito e fiquei na dúvida se existe/existiu ou não
o José Gonçalo Bernardo Castello Branco.
Existiu pois. Desta vez é verdade o que se diz, coisa rara por aqui... Obrigado pela visita...
Sem dúvida. Excelente pedaço de prosa. Investigar é procurar por essa Crase... Não que eu seja desconfiado, é que me custa a acreditar. ;)
Um abraço.
Obrigado por este texto que me manteve num quase êxtase comungante do princípio ao fim. Comungo com tudo o que escreveste. Felicito-te pela sensibilidade, pela oportunidade e pelo brilho da tua inteligência. O Gonçalo vive sempre no que criarmos com ele e dar vida à poesia é, creio, a melhor forma de lhe manifestar alguma amizade. A homenagem post mortem é patética. A amizade fiel é redentora.
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