terça-feira, janeiro 20, 2009

Tragédia em Aljustrel


Segunda-feira. Passo umas horas na desconfortável Hemeroteca de Lisboa, cheia de mofos e algumas caras menos simpáticas. Estou à procura de três periódicos, e é evidente que só acabo por encontrar um deles: A Mocidade (Quinzenário Regionalista de Grande Expansão), editado na segunda metade da década de 1930, em Ponte do Sôr. Folheio as débeis páginas, já em avançado estado de amarelecimento, na certeza de por aí encontrar uns poemas soltos (Álvaro Feijó, Manuel da Fonseca) e uma ou outra entrevistazinha mais interssante para as minhas investigações. Os tectos trabalhados da Hemeroteca estão a cair aos bocados. Tenho pena. O edifício até não deixa de ser jeitoso. A luz é porém daquelas esguias e brancas, de fazer aleijar a vista, imprópria para o desejado estado de afinco intelectual. Ao passar os olhos pelos vários números do quinzenário, vão desfilando diante de mim algumas notícias violentas, relatos de episódios trágicos, desgraças inomináveis num país aparentemente nada pacato. Passamos a reproduzir aqui em semi-facsímile (com transcrição por nosso punho, dada a ilegibilidade da imagem) alguns desses desaires da humanidade regional, começando por um crime passional ocorrido em 1939, na mineira vila de Aljustrel. Mais do que o facto propriamente dito, já de si digno de nota, sublinha-se a linguagem do jornalista, plena de indignação e com um certo pendor para o romanesco.



A pacata vila de Aljustrel, foi, na passada terça-feira, 28, teatro de uma lamentável tragédia que emocionou a população desta laborioso vila alentejana. Foram dela protagonistas a costureira Natividade Bertral, solteira, de 27 anos, e o Snr. Francisco Barão Carapinha Junior, também solteiro, de 31 anos, desenhador da Companhia de Minas daquela vila e estimado correspondente dêste jornal.

Pela manhã daquele dia, quando o nosso malogrado correspondente se dirigia para o escritório, viu surgir numa volta da estrada a sua antiga namorada, a Natividade Bertral, com quem andava de relações tensas. Trocaram algumas palavras e esta, que há muito o perseguia para o obrigar a cumprir uma pretensa promessa de casamento, viu-se, ao que parece, mais uma vez repudiada. Cega de raiva, a Natividade sacou de um revólver de que se munira, e, disparando um tiro, alvejou o Snr. Carapinha na região lombar, na ocasião em que êste lhe voltava as costas para prosseguir o caminho. Ferido gravemente, o nosso desditoso amigo que não esperava a agressão, ainda conseguiu desarmar a tresloucada, vibrando-lhe algumas pancadas na cabeça, com a coronha do revólver. Socorrido, foi conduzido a Lisboa, ao Hospital de S. José na tarde desse dia, onde infelizmente veio a falecer algumas horas depois. A agressora recolheu sob prisão ao Hospital da vila, onde mais tarde, com o mais revoltante cinismo, narrou a sua façanha, confessando não estar arrependida do acto que acabava de praticar.
O Snr. Francisco Barão Carapinha Junior, era um moço trabalhador, muito considerado, que contava gerais simpatias em Aljustrel, tendo a sua inesperada morte causado ali a maior consternação. Era um grande amigo do nosso jornal, que, devido ao seu esfôrço e de outros amigos, conseguiu ver duplicada a sua tiragem. Trabalhou por ele ardorosamente, já ilustrando-lhe as colunas com os seus conscienciosos escritos, já conseguindo arranjar correspondentes e assinantes em várias terras do Baixo Alentejo. Ainda ha bem pouco tempo havia ganho a «Maratona da Amisade», do nosso jornal, pelo avultado número de assinantes que conseguira.
A notícia foi-nos transmitida telefonicamente pelo nosso dedicado correspondente no Cartaxo, Snr. Silvestre Constantino Alexandre, e infelizmente confirmada pelos jornais que à noite recebemos.
Sentindo devéras a morte trágica deste nosso querido companheiro de trabalho, que na flor da vida foi tão abruptamente roubado ao carinho dos seus, «A Mocidade», envia a sua família a expressão sincera das mais sentidas condolências, e desfolha sôbre a campa do infortunado companheiro, as pétalas de uma saüdade infinda.



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