domingo, agosto 17, 2008

Dia quinto. Dois museus


Afazeres domésticos pela manhã toda, da ordem de telefonemas vários, algumas arrumações e uma mais cuidadosa inspecção ao já mencionado e ainda infiltrado tecto. A tarde trouxe o sol que andara completamente escondido até mais ou menos as duas horas. A temperatura baixou para um ameno primaveril, em larga medida mais adequado ao nosso périplo pela cidade. Decidi ao almoço ser a Dreher a minha cerveja húngara preferida, evidentemente se servida bem gelada, o que não parece ser unânime hábito entre as gentes daqui.

Depois de, conforme planeado, ter adquirido num estabelecimento da Rua Király o equipamento da medíocre selecção de futebol húngara, um pouco em homenagem aos anos em que o futebol magiar deu cartas e espectáculo a nível mundal, visitei com S. dois magníficos museus, os primeiros desde que aqui cheguei. O primeiro foi o belíssimo Ernst Múzeum, para o qual não tivemos curiosamente de pagar ingresso por a máquina registadora estar avariada. Patente estava uma intensa e por vezes perturbadora colecção de de jovens artistas nacionais, se bem que o edifício em si, em estilo nouveau, tenha sem dúvida rivalizado com a indiscutível qualidade do acervo em exposição. Seguimos depois para o museu de fotografia Mai Manó Ház, o qual recebe o seu nome de certo famoso fotógrafo da antiga corte imperial. Em mostra estavam alguns trabalhos do recentemente falecido fotógrafo húngaro Hervé (na foto, em auto-retrato), a maior parte dos quais cenários quotidianos da sua adoptiva Paris. Neste museu, fomos emocionalmente confrontados com a deformidade facial da infeliz rapariga que trabalhava na loja e livraria do museu. Não tão horrenda, é certo, como o exemplar que costuma encontrar-se a pedir trocos no nosso Rossio, em Lisboa, mas ainda assim absolutamente perturbadora, com uma bochecha esquerda do dobro ou triplo do tamanho natural, pintalgada de acne borbulhante e percorrida por um caótico traçado de veias arroxeadas, a todos os níveis repugnantes. De acrescentar ser isto o oposto da habitual beleza da fêmea húngara, no geral bem dotada fisicamente e de linhas faciais sedutoras. Mas este é um assunto quanto ao qual, por causa de S., devo considerar-me suspeito.

Repousámos ao fim da tarde em mais um dos vários bares de ruínas que se escondem um pouco por toda a capital. Não sei se será esta a tradução portuguesa mais apropriada, mas o sentido é o de um aproveitamento, para efeitos de bar e esplanada, de um espaço amplo mais ou menos degradado, na maior parte dos casos um pátio interior tosco mais ou menos devoluto, no qual todas as mesas, cadeiras e mobiliário decorativo consistem de velhas peças recuperadas, se bem que nunca totalmente renovadas. “Retro” seria talvez o termo mais adequado para este espírito, o qual, quando equilibradamente posto em prática, parece transportar o visitante para um quase outro mundo, todo feito de intrigantes relíquias em jeito de desafio perante a estabelecida ordem dos cafés mais turísticos ou elitistas.

À noite, de novo o Liget, sempre o Liget por se encontrar tão perto do apartamento de S. Cerveja Bordosi, cigarros e um agradável concerto ao vivo, tudo isto temperado pela simpática brisa de uma noite limpa e sossegada.

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