quinta-feira, novembro 18, 2004

O Segredo e a Verdade (Cont. 2)

2. Caso queira investigar se é possível ler O Primo Basílio aos vinte e cinco anos da mesma forma que se lê aos cinquenta, terei de esperar ainda algum tempo. É provável que o leia mais uma ou duas vezes entretanto. Dois momentos no episódio doméstico de Eça de Queirós despertaram a minha perplexidade de leitor profundamente subjectivo. Um deles é uma imagem da axila felpuda e loura de Luísa, os pequenos ninhos de cabelo frágil em caracol. Só um narrador com a dimensão de Eça poderia alguma vez atribuir uma carga tão estética e erótica a um traço hoje tão banido (deo gratias) das convenções de beleza feminina. O outro momento consegue exemplificar o quão fértil pode ser uma ou outra intertextualidade. Pois a passagem, se manifestamente insignificante para a economia fundamental da narrativa, é seguramente um bom ponto de partida para as investigações que se seguem. Julião, nos seus modestos aposentos, discute com um colega, um estudante de Escola. E diz assim de sua justiça:

Que nos importa a nós o princípio da vida? Importa-me tanto como a primeira camisa que vesti! O princípio da vida é como outro qualquer princípio: um segredo! Havemos de ignorá-lo eternamente. Não podemos saber nenhum princípio. A vida, a morte, as origens, os fins, mistérios! São causas primárias com que não temos nada a fazer, nada! Podemos batalhar séculos que não avançamos uma polegada.

Eu julgo que estas palavras vão muito além das tendências positivistas da geração de setenta. E isto essencialmente porque o positivismo científico ou o realismo literário são apenas versículos ínfimos de uma questão tão antiga quanto enigmática: a verdade de tudo. Ou nas palavras do Sr. Julião Zuzarte, o princípio da vida, as causas primárias.

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