Essa clivagem de classes teve uma grande reviravolta quando precisamente Guimarães Rosa, o diplomata-sertanejo, trouxe a voz da alteridade a partir dela mesma. O escritor não apenas conhecia o universo das veredas como submergiu no grande sertão até forjar um estilo que lhe fosse próprio - a ele e ao sertão.
No entanto, me ocorre agora um ponto que talvez tensione historicamente o compromisso de enformar a alteridade silenciada: na medida em que a sociedade de classes não apenas não se dissolveu como assistiu ao recrudescimento da desigualdade, o paradoxo inicial não ganharia hoje requintes de cinismo então inusitados quando a literatura caminhava pelos primórdios do modernismo que dava legitimidade a temas prosaicos?
Me parece que, hoje, o paradoxo não é tão paradoxal se pensarmos no contexto original que prometia a sua superação. Atualmente, me parece que o paradoxo se transformou em uma segunda natureza, uma resignação conformista e/ou cínica que traz para o plano do cotidiano a impossibilidade de transformarmos a totalidade social.
Como um brasileiro de classe média, João, vivencio esse paradoxo desde sempre, quiçá como uma primeira natureza. Estou certo de que você conhece bem o nosso Machado de Assis. Pois agora eu lhe pergunto: você conhece o Roberto Schwarz? Trata-se de um importante crítico literário que desde sempre vem refletindo sobre o paradoxal das deformações de classe na enformação literária.
Pois eu fico curioso para saber o que você diria, como português, ao entrever as diversas camadas do paradoxo que se desdobram verticalmente para cima e para baixo - você mais do que eu sabe e sente o preconceito enraizado para lá dos Pirineus, né?
Pois vale dizer que as literaturas periféricas - i.e., de países periféricos, já que Pessoa e Rosa não têm nada de menores - desdobram o paradoxo entre o desnível símbólico das diversas burguesias.
Será que, na contramão desse multiculturalismo muito menos factual do que ideológico, não seria a voz "tragicínica" que poderia ao mesmo denunciar e ratificar um paradoxo histórico que não foi superado?
Obrigado pelo comentário e pelas reflexões, Flávio. O tema é realmente muito intricado, e acaba por ser fácil cair em armadilhas e preconceitos. Não conheço o Roberto Schwarz, mas vou tentar descobrir alguma coisa. Apesar de nunca comentar, também eu gosto de enveredar pelo subsolo. Abraço grande.
2 comentários:
Olá, João!
Acabo de ler o seu excerto "paradoxal".
Essa clivagem de classes teve uma grande reviravolta quando precisamente Guimarães Rosa, o diplomata-sertanejo, trouxe a voz da alteridade a partir dela mesma. O escritor não apenas conhecia o universo das veredas como submergiu no grande sertão até forjar um estilo que lhe fosse próprio - a ele e ao sertão.
No entanto, me ocorre agora um ponto que talvez tensione historicamente o compromisso de enformar a alteridade silenciada: na medida em que a sociedade de classes não apenas não se dissolveu como assistiu ao recrudescimento da desigualdade, o paradoxo inicial não ganharia hoje requintes de cinismo então inusitados quando a literatura caminhava pelos primórdios do modernismo que dava legitimidade a temas prosaicos?
Me parece que, hoje, o paradoxo não é tão paradoxal se pensarmos no contexto original que prometia a sua superação. Atualmente, me parece que o paradoxo se transformou em uma segunda natureza, uma resignação conformista e/ou cínica que traz para o plano do cotidiano a impossibilidade de transformarmos a totalidade social.
Como um brasileiro de classe média, João, vivencio esse paradoxo desde sempre, quiçá como uma primeira natureza. Estou certo de que você conhece bem o nosso Machado de Assis. Pois agora eu lhe pergunto: você conhece o Roberto Schwarz? Trata-se de um importante crítico literário que desde sempre vem refletindo sobre o paradoxal das deformações de classe na enformação literária.
Pois eu fico curioso para saber o que você diria, como português, ao entrever as diversas camadas do paradoxo que se desdobram verticalmente para cima e para baixo - você mais do que eu sabe e sente o preconceito enraizado para lá dos Pirineus, né?
Pois vale dizer que as literaturas periféricas - i.e., de países periféricos, já que Pessoa e Rosa não têm nada de menores - desdobram o paradoxo entre o desnível símbólico das diversas burguesias.
Será que, na contramão desse multiculturalismo muito menos factual do que ideológico, não seria a voz "tragicínica" que poderia ao mesmo denunciar e ratificar um paradoxo histórico que não foi superado?
Tô sempre na penumbra do Quartos Escuros, João.
Abraços de além-mar,
Flávio Ricardo
Obrigado pelo comentário e pelas reflexões, Flávio. O tema é realmente muito intricado, e acaba por ser fácil cair em armadilhas e preconceitos. Não conheço o Roberto Schwarz, mas vou tentar descobrir alguma coisa. Apesar de nunca comentar, também eu gosto de enveredar pelo subsolo. Abraço grande.
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