sexta-feira, maio 21, 2010

O meu mexicano

De Ramón Peralta já aqui se falou no passado. Poeta e romancista mexicano, vive em Lisboa há já um par de anos. Não gosto muito de tratar aqui de relações pessoais, por isso também não falarei dos laços de amizade que me prendem ao Ramón. Digamos apenas que, para além de meu vizinho, tenho-o como o meu mexicano e prezo a sua sensibilidade, inteligência e esse quase cuidado infantil em permanentemente "no molestar".
Tive recentemente o privilégio de ler com ele poesia. Poesia dele, que após a sua leitura no original, eu li na tradução portuguesa que o próprio poeta fez. É que Ramón escreveu em Lisboa um conjunto de poemas a que deu o título de Corpos Estranhos. Reproduzo aqui dois desses textos.




Os limites marcados para a poesia numa manhã diante de um café


Não conheço a sua voz nem as suas mãos nem os seus cabelos. Serão vermelhos, estarão soltos ou amarrados com uma fita escura, terá tomado banho pela manhã? Ainda estará húmido o seu cabelo?

Ela pede um café sem açúcar. No seu bolso tem três notas de cinco e as moedas certas. Daqui (de um poema) nunca veremos a cor dos seus sapatos, sequer as veias dos seus pés, a marca que se fez na infância, os poros de onde o belo não cresce.



A luz das estrelas não a tocava


O brilho das estrelas, a viagem da luz, o universo em expansão, tudo; esqueçamos tudo, esse brilho distante, a trajectória, a física, a astronomia, Newton, Copérnico, Sagitário, Virgem, Escorpião. Não importa; ela era o equilíbrio que de repente nos faz sentir bem na vida durante uma hora, um dia ou uma semana. Nunca atirou a cinza, parecia que a engolia junto com a fumo. A sua mão, a que não segurava o cigarro, parecia flutuar afastada do seu corpo. Nunca perdeu o olhar, mantinha-o fixo, conduzia o mundo a 250 quilómetros por hora (poder-se-ia dizer que ultrapassava os limites). Ela via uma estrada no meio de uma planície, numa fila de carros mal estacionados. Saiu a fumar porque uma rapariga cantava Like a Virgin. Pensava há que deixar a gente viver a sua vida, e não há que olhar demasiado porque, caso contrário, acabaremos por não compreender nada.


3 comentários:

sofia disse...

viva o ramón!!!!!

virna disse...

é o nosso mexicano!

Karla Melo disse...

Um poeta se advinha numa combinação de palavras que inebria.
Na primeira vez que entro no blog do João, me defronto com uma beleza de palavras sonoras e imagéticas ... “Daqui (de um poema) nunca veremos a cor dos seus sapatos, sequer as veias dos seus pés, a marca que se fez na infância”...
A leitura do fragmento, pinçada pela sensibilidade poética do João Henriques, de Corpos estranhos, me chega como um alimento desconhecido, que coloco na ponta da língua com cautela, exatamente por desconhecer, mas que surpreende no primeiro toque , deliciando. Então digo: quero mais.
Ramón Peralta, desejo conhecer mais da tua poesia.

Karla Melo (Brasil)