sábado, março 06, 2010

Apontamento de língua 2

Não sendo a primeira vez que os Quartos Escuros se dedicam a reflexões sobre o materno idioma (lembremos este anterior apontamento), não tem sido infelizmente hábito fazê-lo, situação que procurará de futuro corrigir-se, nos limites do pertinente ou minimamente interessante. De alguma curiosidade parece revestir-se o adágio popular de que "por detrás de um grande homem está sempre uma grande mulher", acerca de cujo sentido se gerou ontem um aceso debate ao qual pude assistir, de imperial nas unhas, já madrugada adentro. Não havendo significativa discrepância entre o entendimento do que seria um grande homem ou uma grande mulher, estabelecida essa dita grandeza na sua acepção fundamentalmente ética, com eventual repercussão social e histórica, a discussão centrou-se acima de tudo no sentido da locução adverbial "por detrás".
Homem e mulher, os dois intervenientes na contenda que por alguns minutos se desenrolou na minha presença, tiravam da frase um sentido positivo e negativo, respectivamente. Deste modo, via ela no adágio um cliché vazio, deliberadamente desfasado do inegável e imemorial facto de as mulheres terem sempre vivido na sombra dos homens, num generalizado estado de maior ou menor opressão social. Essa realidade era denunciada na frase precisamente pela referida locução. Assim sendo, na opinião da interveniente feminina, ao pretender destacar o proeminente papel de uma admirável mulher na vida e obra de um qualquer varão de relevo, a frase não deixava de assumir que a mulher ficava sempre "por detrás" do homem, ou seja, na sombra, em segundo plano, em posição de inferioridade.
Para ele, no entanto, não só a frase encerrava em si um indiscutível fundo de verdade, destacando justamente o valioso contributo das mulheres ao longo da história das grandes civilizações, como era justamente o "por detrás" que acentuava esse nobre sentido. A acepção por ele atribuída à locução adverbial era, não a de uma posição sublaterna, mas em última análise exactamente o oposto. Como o artista que maneja a sua marioneta, ou o condutor de uma locomotiva, assim uma grande mulher estaria "por detrás" de um grande homem, ditando-lhe caminhos, orientando-o nos movimentos, aos comandos da situação, por assim dizer.
Duas bem distintas interpretações de uma mesma instância da língua, ligadas inevitavelmente à mundividência de cada falante, em admirável dinamismo de sentido e utilização. Da minha parte, devo confessar ter ficado surpreendido com ambas as leituras, pois, acreditem ou não, sempre tivera da frase um entendimento absolutamente diverso, o qual, diga-se de passagem, não ousei partilhar nessa ocasião. É que eu sempre tomara o provérbio como indigna sugestão do pretenso desvio sexual de todos os notáveis homens da história da humanidade. Nesse sentido (o meu enganado sentido), por detrás de um grande homem sempre estivera uma mulher (de preferência também de boa estatura) com qualquer espécie de rudimentar ou evoluído strap-on dildo, penetrando-o nas horas vagas, por entre gemidos, na penumbra íntima dos castelos ou palacetes.

1 comentário:

Nuno Lebreiro disse...

ahahahahahhaha
o problema de se achar que determinada coisa "é", é o assumir a sua permanência quando, pelo contrário e, quanto a mim mais correctamente, se poderá assumir a sua intermitência; quer este relativismo imberbe significar o quê? Que tanto as mulheres, em certas alturas, foram subalternas (umas vezes merecidamente outras por força de mui inusitadas injustiças)em relação aos tais varões; como, também, noutras alturas (melhor seria dizer "situações" não fossem as diversas situações coexistirem no tempo), foram elas o leme e o mestre de marionetas; como, seguramente, não hão de ter faltado varões que, mesmo em falta de strap on's, gostassem de provar cenouras por outras formas que não as usuais. Posto isto, entenda-se: brindem-se as cervejas que da rectidão de uma opinião não se infere para o outro qualquer falta de razão.