Desencantei O Canto no Acaso (1984), quinto título do desconcertante Rui Nunes (abri-vos, ó cânones da prosa pátria), num insuspeito pouso de venda da feira da ladra. Cinquenta cêntimos, propôs-me a ambulante senhora. Aceitei num ápice. Levei-o para casa. Uma belíssima publicação das Edições Rolim e número inaugural da colecção "A Hora do Lobo". As ilustrações povoam o volume inteiro e são um mimo. Começa assim:
Os insectos à volta das laranjeiras, as flores que tombam sobre a mesa de pedra, carnudas pétalas, há o crepitar de uma sombra frágil nas umbelas dos agapantos, refúgio de abelhas que tecem no ar vertigens consistentes, Marie pensa: os tempos da infância tinham ruas largas orladas de amoreiras e frutos carmesins que tornavam o Verão escorregadio, sangue expectorado nos passeios de calcário e no verde adjacente das ervas, havia um zumbido de vespas e moscas, patinhava-se um creme peganhento que deixava manchas no algodão das meias, era assim Julho de minúsculos indícios, de riachos que a transparência das folhas tornava quase frios, os frutos caíam na erva e exalavam um apodrecer mirrado como o cheiro do chá, enquanto a serra transformava o amarelo em hálito, era a época claríssima da flor do tojo.
1 comentário:
excelente...
boa compra :)
Enviar um comentário