sexta-feira, novembro 21, 2008

Francisco Serra Lopes

Começo desde já por anunciar que decidi regressar à apresentação de poesia da minha predilecção (se bem que em alguns casos pouco notabilizada) como forma de vencer certa inércia de que tem padecido a presente página. Os quartos escuros são por vezes assim: lugares onde escasseiam palavras e movimentos de membros. Mas esse não é naturalmente um estado que se pretenda perpetuar.



Francisco Serra Lopes é um poeta de quem já há muito tempo não lia nada. Conhecemo-nos, creio, há coisa de dez anos, entretidos que andávamos na altura com afazeres académicos aos quais ambos, nos anos seguintes, haveríamos de dar continuidade, ainda que em locais e linhagens distintas. Nos anos da Faculdade de Letras, publicava o Francisco no já mítico jornal Os Fazedores de Letras, e foi também por essa altura que me estendeu um dia, a pedido meu, uma reunião de poemas sob o pseudónimo António Ochôa, relíquia que ainda hoje guardo. Depois disso, a distância geográfica ditou que os nossos encontros se resumissem a uma ocasião anual, não mais que isso, altura em que me era sempre possível confirmar o à-vontade com que me sentia na sua presença e o prazer descomprometido das conversas mais díspares.

Não sei se deva estar aqui a alongar-me sobre a sua pessoa. Temo que seja algo que ele dispense por completo. Acrescento porém que foi com um enorme fascínio que recebi recentemente uma nova amostra da sua poesia, ambiciosa, pura, lexicalmente contundente. Ele diz ter sido de certa forma um regresso à poesia, após uma maior predominância na sua vida de outras leituras e reflexões, nomeadamente as relacionadas com o Doutoramento que se encontra a realizar na cidade de Barcelona. Mas uma vez cá dentro, a poesia nunca chega realmente a sair de nós, pois não?

Conheçam um pouco mais o Francisco na sua página Ibéricos e fiquem com dois poemas que seleccionei para a ocasião, o primeiro descrito pelo seu autor como "poema parecido" e o segundo como "poema sem efeito".


Escorre de um fraco antebraço
linha de sangue, grossa:
a rude motivação é baço
reflexo da perda nossa.

O calor desaparece
desse braço para a anca
do moribundo amigo. Tece
uma linha que em vão estanca,

tépida. E a Providência
indica um trapo que aí jaz,
próximo. Não há ciência
que não mate. Desfaz-

-se-me o alento. Sofro
por ver a decadência
de cada corpo já amorfo.
É isso a experiência?

Reduz-se então o apego:
não é possível prolongar o luto
multiplicado. Quando chego
com os dedos à sua alma, escuto:

Eu não te peço afagos, companheiro;
não te peço um trapo que retenha
a vida que se esvai. O teu cheiro
a roupa quente, a tua voz castanha

de terra seca é tudo o que recolho
para levar para aquela terra estranha
de que falavas. Beija-me o olho
que ainda vê, fecha-mo, não venha

a morte antes de ti.
E vejo
como a retina se lhe abre em livro,
e inclino-me, solene, para um beijocomo quem quer eternizar o vivo.


Deixa-me ver a que sabe o hálito
rápido, acre na tua boca.
Detrás de quem beija – quero dizer:
por trás
do rosto a orelha que finta a noite
em que te sussurro orgasmos afins
à tua cadência que não ressona
mas ressoa enfim no meu alarido
interior, aí cumpres a tua função
conjugal e a excedes, até, no domínio
das personagens que passam dizendo
vamo-nos embora à queima-roupa.

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