quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Joan Navarro



O valenciano Joan Navarro (n. 1951) foi um dos incómodos e interessantíssimos representantes de Espanha no último Tordesilhas (Festival Ibero-Americano de Poesia Contemporânea). Confesso que foi a primeira vez na minha vida que escutei poesia em catalão. Cheguei a comentar com uma amiga minha as propriedades enebriantes da voz quente e profunda de Joan Navarro. Dele, para além de sorrisos e versos no olhar, tive o prazer de receber dois livros da sua já considerável obra. Há meses que estava para colocar aqui qualquer coisa sobre este maravilhoso autor. O problema foi encontrar alguém que pudesse fazer uma tradução portuguesa directamente a a partir do catalão. Tive então de recorrer ao meu amigo Francisco Serra Lopes, hoje em dia mais catalão do que português, que se lançou na tarefa de verter alguns textos para a nossa língua. Da poesia de Joan Navarro, que dirige a maravilhosa Sèrie Alfa, deixo-vos então uma amostra no original e em tradução portuguesa. Trata-se do poema "No miolo da palavra" do livro de 2004, Magrana.

Al moll de la paraula

Nimmst du die Sprache der Dinge mit unter die Haut.
Durs Grünbein

L’espai, il·luminat per la llum més clara, revela el rastre dels insectes damunt l’arena, les sanefes subtils, els camins volàtils, el rovell dels icebergs a la deriva, el solc de la fletxa dins la carn de l’aire, el desig de l’aglà d’ésser aglà i alzina, el son de l’obaga dormint a la solana, la lluentor de les perles dins la nit de nacre, la rotació dels cels, els batecs de les dunes, el cor de les crisàlides: tot s’esdevé a l’espai que tot ho fecunda, als doblecs del pensament on tot habita, al moll de la paraula que dóna vida.

Construïm l món i el reconstruïm: fem créixer la maduixa silvestre a l’ombra dels arbres, tallem crisantems als peus d’aquest faig que ara ens contempla, olorem els perfums lluminosos que bequen als tàlvegs. Els metalls fosos retornen al foc de la terra. El detector Amanda espera atrapar dins el silenci blanc un neutrí còsmic. Tal com som, així veiem. Un lleó tatuat d’ulls recorre l’escena.


No miolo da palavra

Nimmst du die Sprache der Dinge mit unter die Haut.
Durs Grünbein

O espaço, iluminado pela luz mais clara, revela o rasto dos insectos sobre a areia, as cenefas subtis, os caminhos voláteis, a gema dos icebergues à deriva, o sulco da flecha na carne do ar, o desejo da bolota de ser bolota e azinheira, o sono da encosta setentrional da montanha a dormir na meridional, o brilho das pérolas dentro da noite de nácar, a rotação dos céus, os latidos das dunas, o coração das crisálidas: tudo sucede no espaço que tudo fecunda, nas pregas do pensamento em que tudo habita, no miolo da palavra que dá vida.

Construímos o mundo e reconstruímo-lo: fazemos que cresça o morango silvestre à sombra das árvores, cortamos crisântemos aos pés desta faia que agora nos contempla, cheiramos os perfumes luminosos que cabeceiam pelos vales. Os metais fundidos regressam ao fogo da terra. O detector Amanda espera apanhar no silêncio branco um níquel cósmico. Como somos, assim vemos. Um leão tatuado de olhos percorre a cena.




1 comentário:

Julia disse...

João,

a voz do Joan, como você comentou, realmente tem poderes inebriantes. Saudade dele e de você!
Essa é uma bela tradução...