Todos os dias a encontro à porta do mesmo edifício. Sentada nos primeiros degraus da escadaria clássica, pertíssimo do passeio. É verdade que me pergunto o que a fará deslocar-se ali todos os dias e sentar-se invariavelmente no mesmo sítio. Mas a minha curiosidade prende-se mais com o insólito da situação do que propriamente com algum (inexistente, impossível) interesse que possa ter por ela. É feia. Não quero saber nada da sua vida, apenas me questiono para encher a cabeça vazia com alguma coisa de pensar. Sei que aquele é um edifício público, uma qualquer repartição judicial, por isso suspeito relacionar-se aquela permanente presença, ali sentada, com alguma opaca forma de protesto. Um protesto certamente misturado com certa quantidade de autoflagelação inconsciente. Do género: hei-de vir para aqui sentar-me todos os dias até me fazerem justiça, e: ai o que me havia de acontecer, aquilo até foi burrice minha, agora venho para aqui secar todos os dias para aprender a não ser parva.
É certo que todos os dias a encontro no mesmo sítio. Melhor dizendo, passo por ela. Vou sempre com alguma pressa. Sei que o motivo que ali a faz estar é bem mais complexo que o que me faz passar por ali (estou a caminho do trabalho). Mas por isso mesmo não desejo conhecê-la. Não quero perguntar-lhe nada. Receio o incómodo de uma intimidade que eu pudesse adquirir em relação ao seu "caso". Enoja-me profundamente a perspectiva de um qualquer mínimo conhecimento da sua infeliz situação. Passo por ela todos os dias. É a mulher sentada. Isso é mais que suficiente.
1 comentário:
Consegues surpreender-me sempre!
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