Virginia Wolf, A Room of One's Own
Comecemos pelos factos, ainda que nem todos possam ser aqui expostos em toda a sua dimensão. Faz agora sensivelmente dois anos que conheci, em excelente companhia, a região alta de Glencoe, um dos mais extraordinários parques naturais que a Escócia oferece aos olhos de um visitante desprevenido. A viagem, abençoada por um inesperado sol de Setembro, tinha na altura dois propósitos bem definidos: conhecer uma paisagem natural deslumbrante e tomar contacto com uma das descobertas arqueológicas e filológicas mais significativas das últimas décadas: um largo conjunto de escritos recentemente descobertos numa pequena gruta da zona por um acidental trio de montanhistas. Várias dezenas de composições poéticas (pelo menos é o que aparentam ser), a cujo conjunto se deu na Escócia o nome de Duel Songs. Chamar-lhe-emos em português Ciclo das Invocações.
O grupo de estudo e trabalho entretanto constituído, ao qual tenho a imensa honra de pertencer, encontra-se ainda a braços com toda uma série de questões fundamentais, para as quais são maiores as suposições que efectivamente as respostas. A equipa encarregue da investigação arqueológica está neste emomento a preparar um primeiro artigo com conclusões prévias acerca de questões como datação, materiais de escrita e estados de conservação. O grupo de estudos filológicos, ao qual pertenço, encontra-se igualmente em condições de avançar algumas impressões, apesar do estado ainda embrionário dos trabalhos. Foi decidido logo de início, com minha total concordância, devo dizer, que o mais sensato seria em primeiro lugar procurar reconstituir os múltiplos textos, com uma possível e adicional adaptação para inglês mais corrente. Só depois, e à medida que o conteúdo e natureza formal das composições fosse ganhando contornos, poderiam ser avançadas considerações de ordem interpretativa acerca do ciclo. Fui autorizado a partilhar por este meio algumas dessas curtas impressões e, mais importante que isso, irei nos próximos tempos reproduzir aos poucos algumas destas "canções de guerra" em versão actualizada e adaptada.
O Ciclo das Invocações não terá sido escrito por um só autor, mas seguramente a várias mãos e no decurso de um relativamente curto espaço de tempo (não mais de uma década ou década e meia), provavelmente correspondendo a uma época de maior turbulência política externa. As várias composições que constituem o ciclo poderão não ter sido à partida concebidas para integrar um conjunto, ainda que seja aparente (quase notória) uma certa unidade formal entre elas. Isto leva a pensar que a sua produção deveria responder a um determinado modelo, ainda que mais ou menos flexível. Os poemas do Ciclo das Invocações parecem ter um cariz vincadamente bélico. Neles, a voz poética (perfeitamente indeterminada), parece exortar determinado soldado para uma acção de carácter militar ou, pelo menos, para uma manifestação dos seus poderes, afirmação do seu carácter, e até (pasme-se) confissão das suas turbulências interiores. Só esta curiosa coabitação de virilidade militar e sensibilidade dará concerteza material para vários volumes e inúmeros debates. O sujeito poético parece por isso identificar-se com uma chefia do exército ou com o próprio povo que deste modo celebra e apresenta os seus trunfos militares (nem todos do sexo masculino, atente-se). As produções poéticas seriam portanto escritas para declamação pública, possivelmente no contexto de um cerimonial específico, em circunstâncias bem determinadas. Isso poderá justificar o aparente modelo comum a todas elas: título (possivelmente o nome ou epíteto do guerreiro), estrofe principal maior com versos brancos de métrica irregular, estrofe final conclusiva de verso único.
As composições serão aqui progressivamente apresentadas para fruição pública e desejáveis comentários, independentemente da sua natureza. No final de cada composição incluiremos a sua referência de catalogação, respondendo esta a um critério próprio do grupo de trabalho que tem vindo a organizar os preciosos achados. A apresentação das canções será por vezes acompanhada de uma imagem para efeiros de puro ornamento.
2 comentários:
adorei, joão. uma nostalgia boa lembrar de glencoe e ler esta primeira duel song. ontem esteve por aqui uma poeta escocesa muito interessante, liz lochhead. publiquei a tradução de um poema seu no papel de rascunho.
um beijo
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