quinta-feira, dezembro 09, 2004

O Segredo e a Verdade (Conclusão)

7. O lugar da verdade é absolutamente secreto. Só o segredo é absolutamente verdadeiro. Gerações sucedem-se e a verdade de todas as verdades permanece inabalável porque secreta. Se não nos é acessível então é porque concerteza contem a explicação de todas as coisas. Todas as simbolizações ou asserções críticas da pequenez humana baseiam-se em premissas deste género. O lugar da verdade (origem, autoridade, conteúdo) é absolutamente incorpóreo. A noção absolutamente fantástica de que o nosso pensamento depende intimamente de processos exclusivamente biológicos é prova disso mesmo. E isto porque o pensamento é incapaz de nos conduzir à maior de todas as revelações. A correlação tantas vezes sublinhada entre espírito e matéria, apesar de abismal e misteriosa (há células que pensam!), leva-nos a pensar que não fora o corpo e há muito que teríamos já deslindado o enigma subjacente a todos os enigmas. Os relatos de experiências post-mortem constituem algo cujo valor não parece seduzir a maioria das pessoas. É razoável depreender que os nossos pequenos jogos de linguagem e representação resultam numa diversão bem mais atractiva. Caso a esfera de valores ocidentais não permeasse de forma tão avassaladora o nosso comportamento crítico, as experiências post-mortem seriam neste momento o assunto central das mais crucial das disciplinas. Por entre relatos vagos e reticentes (a linguagem é neste contexto um instrumento escasso dada a sua natureza anatómica), duas ocorrências parecem ser comuns a todos os indivíduos sujeitos a semelhantes episódios: a alma liberta-se do corpo, movimentando-se em altura e deixando para trás a matéria; as coisas todas, da mais pequena dúvida ao problema mais enigmático, ganham um sentido inequívoco, simples e apaziguador. Como diz Bourdieu nas suas Rules of Art, "if there is a truth, it is that truth is a stake in the struggle", e quem sabe um generoso crédito a cobrar depois da morte.

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