sexta-feira, novembro 26, 2004

O Segredo e a Verdade (Cont. 5)

5. Duas pequenas imprecisões deverão ser convenientemente sublinhadas, caso queiramos de algum modo prosseguir neste território incerto. Ambas constituem exageros em extremos opostos. Seria por um lado algo ilusório afirmar que a toda e qualquer disciplina do conhecimento humano preside um desejo consciente de alcançar algo estável e universalmente verdadeiro. Tal como Julião, muitos hão já afastado de qualquer busca essa esperança de outrora, embora seja por vezes difícil distinguir o descrente do apenas desiludido. Por outro lado, afirmar peremptoriamente a inexistência da mencionada esperança em atingir alguma clarificação absoluta dos caminhos por onde penamos parece igualmente ilusório. Não é provável que o ser humano, enclausurado nesta ou naquela exclusiva disciplina, não acredite na origem ou legitimação primeira de qualquer asserção. Qualquer descrição do nosso mundo físico ou problematização das manifestações simbólicas do homem prevê necessariamente a existência, ainda que de uma perspectiva mais ou menos subjectiva, de aproximações mais coerentes que outras. E este incontornável grau de verdade, o qual todos acabam por desejar atribuir, só é passível de ser avaliado mediante alguma crença na verdade em si mesma.
Numa comunicação sobre assuntos de interdisciplinaridade e pós-modernismo, fui confrontado com uma passagem da obra Professional Correctness. Literary Studies and Political Change do hilariante Stanley Fish, palavras essas que poderão de algum modo ilustrar esta discussão. Trata-se da questão de uma verdade que, embora residindo no mais íntimo refúgio do nosso inevitável ser religioso, não poderá constituir oficialmente o fim visível do conhecimento humano, precisamente pelo facto de que jamais nos será possível identificar ou formular a hipótesse que pretendemos sujeitar a confirmação. A verdade existe e é absoluta. A ela aspiramos constantemente. Mas é um segredo a que em vida jamais teremos acesso, pelo que nos cabe caminhar sem destino em vista. Different forms of disciplinary work, rather than being co-partners in a single teleological and utopian task, are engaged in performing the particular tasks that would pass away from the earth were they to lose themselves in the name of some grand synthesis, be it the discipline of all disciplines or the truth of all lesser and partial truths.

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