À casa da família Machado chegava tudo tarde: o telefone, a televisão a cores, as transmissões e o canal 2 da RTP, que só dava chuva, as encomendas de França - perdidas no posto dos Correios da Baixa da Banheira - e o almoço do menino, a comer a fruta a caminho da escola, a chegar atrasado, a pedir desculpa à professora, "o almoço atrasou-se, senhora professora". Atrasava-se a mulher para apanhar o autocarro e o marido para o trabalho, os pagamentos a Idalécio e ao Venâncio da mercearia, a água, a luz, as bilhas de gás do senhor Neves da drogaria. As notícias dos falecimentos só lhes chegavam uma semana depois, "o funeral foi a semana passada", os filhos começaram a andar tarde, aprenderam a ler tarde, viviam num fuso horário diferente, com dias de atraso, num arquipélago mental, ligavam a televisão e já o filme estava a acabar, quando compravam os sapatos da moda a moda já tinha passado, viviam em diferido, a correr atrás do tempo.
As Primeiras Coisas, Bruno Vieira Amaral
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