sexta-feira, setembro 23, 2011

O mundo desconcertado. Dois poemas





Vejo eu as gentes andar revolvendo


Vejo eu as gentes andar revolvendo
e mudando aginha os corações
do que põen antre si as nações;
e já me eu aquesto vou aprendendo
e ora mais cedo aprenderei:
a quen poser preito, mentir-lho-ei,
e assi irei melhor guarecendo.


Ca vejo eu ir melhor ao mentireiro
que ao que diz verdade ao seu amigo;
e por aquesto o juro e o digo
que já mais nunca seja verdadeiro;
mais mentirei e firmarei logo al:
a quen quero hoje ben, querrei-lhe mal, 
e assi guarrei como cavaleiro


Pois que meu prez nen mia honra non crece,
por que me quigi teer à verdade,
vede-lo que farei, par caridade,
pois que vejo o que me assi acaece:
mentirei ao amigo e ao senhor,
e poiará meu prez e meu valor
con mentira, pois com verdade dece.

Pero Mafaldo



Ao desconcerto do mundo


Os bons vi sempre passar
No mundo grandes tormentos
E pera mais me espantar
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado
Fui mau, mas fui castigado:
Assim que, só pera mim,
Anda o mundo concertado


Luís de Camões

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