fora atropelado gravemente
numa passadeira dos subúrbios,
modo e local tão costumeiros
em desaires de chapa veloz
contra corpo indefeso
passara meio ano no estaleiro
por entre sonos induzidos aos dias
e tratamentos aos membros,
ao ânimo frágil, ao que restava
de um qualquer arcaboiço de vida
sobrevivera, é certo:
o verdadeiro testa de ferro
de um outro esquecido miguel,
crente na bonomia de uma vida
e na segurança das passadeiras
contava-nos isto com ligeireza
por entre cervejas, cigarros de rir
e sorrisos de explícita amargura
(nunca é implícito o desalento
e o atropelado sabia-o havia muito)
ao seu lado, um semiconhecido
quis dar uma de phil, o doutor,
o nicholas sparks da esplanada santo isidro,
observando, solene e bacoco:
depois de teres visto a morte tão de perto
passaste com certeza (ele tinha a certeza)
a valorizar muito mais a tua vida
a coisa até fazia sentido, não fora
o brutal paradoxo que encerrava:
passar a estimar mais a existência
conhecendo o que em breve se avizinha
e como perdera o sentido do pejo
seis meses antes numa rua de lisboa
miguel sorriu (já sem amargura)
e contrapôs que não
que nem por isso:
a principal diferença é que agora
(à conta de dores, talvez,
ou de lembranças)
passava o dia inteiro a fumar ganzas
2 comentários:
Gostei muito, João. Mesmo muito. São pérolas como estas que fazem com que interrompa o trabalho para ir às ostras...
Obrigado, amigo. Pela tua leitura, pelo teu comentário na Porosidade Éterea, pelo vais escrevendo na tua página. Um forte abraço de até breve.
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