é muito difícil abandonar ljubljana, com as suas paredes de tecido alpino que entram e saem com a mesma intensidade. é difícil abandonar e ainda é mais difícil partir. porque, no fundo, a partida mais não é do que deixar o poema no mais recôndito da memória. é difícil não entrar num único poema, nem escrever das paredes, das pessoas, dos marcos de correio, das cadeiras junto ao rio onde homens e mulheres escrevem [e partem]. escrever é sempre triste, como acordar noutra dimensão do tempo.
abandonei ljubljana e ainda não consegui regressar. nem, provavelmente, espero regressar. ou talvez espere. ou talvez deseje ser um escritor e abandonar-me em todas as cidades, sem género ou, então, em todos os géneros, em todos os barrancos, em todas as promessas de carne que se descobrem ou que se evadem lentamente no acto da escrita.
poderia ser ljubljana ou zagreb ou a costa inteira da dalmácia. ou mesmo viena. ou talvez as colinas de lisboa, as ruelas do fado onde jovens e pedintes se abrem [e fecham] sempre que um transgressor estrangeiro invade os seus segredos milenares. nunca me apaixonei em ljubljana nem em nenhuma ruela. ljubljana tem ruelas mas não tem o fado nem a lua gasta dos cigarros estendidos no chão. provavelmente, a velha cidade eslovena é a cidade onde todos os poetas jurarão um dia morrer, junto à estátua de preseren, o poeta da cidade e das jovens princesas europeias dos livros das histórias.
todas as cidades são territórios dos escritores. ou dos poetas. até porque um poeta nunca poderá ser um escritor senão num tempo parcial, olhando o seu belo umbigo palmilhado a carnes. escrevo isto quando leio que os géneros são características que definem um texto. acaso será o poema um texto. ou um discurso. ou um género. provavelmente, será apenas um momento de fortuna, inocente e pueril ou com as promessas da vontade ainda muito limitadas, infantis, originais [da génese], únicas. acaso será o corpo um género. acaso será a voz um outro género. mas nada isso interessa a ljubljana, nada disso porque o que importa é que, numa noite de verão, a escrita ainda era um momento de prazer e a vida a mais bela profissão do mundo.
Jorge Vicente, via Amoralva
3 comentários:
Estás apaixonado por um novo lugar! Creio compreender bem esse sentimento... O blog Our House With a View é uma pequena grande maravilha. Desejo-vos tudo de bom.
o jorge escreve divinamente. fiquei muito contente por encontrar esta citação. cumprimentos.
e já tinha esquecido de vir aqui, meu amigo.
espero que esteja tudo bem contigo, Amigo.
Obrigado por colocares aqui, nos teus quartos, o meu texto!
um abraço desde o sul de portugal
jorge
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