Para aqueles que não sabem ou que já não se lembram, esta é uma rubrica de poesia que os Quartos Escuros teimam em de vez em quando ressuscitar. Chega hoje apenas à meia dúzia de edições, o que só por desleixe se pode com efeito explicar. Deixo-vos o precocemente desaparecido poeta Álvaro Feijó, um vianense que participou no "Novo Cancioneiro" neo-realista e que aqui, em "Desejo", junta uma alegoria intimista à já rara prática de improváveis rimas sobre uma métrica de ambiciosa irregularidade.
Atingido,
o aparelho inclinou as grandes asas mortas
e tombou sobre a Terra, adormecido,
na grande rigidez das coisas mortas.
Da viagem ao Sol
trouxera uma centelha
que no verde crisol
da pradaria imensa
de novo se inflamou em chama azul-vermelha.
E o vento, sem detença,
levou aos quatro cantos do universo
a cinza que restara.
É que o vento é senhor de uma loucura imensa,
porque o vento não pára.
Quando a gente perder
do noso sonho tudo,
venha a chama que despe
os corpos de veludo...
Que venha o vento agreste
e leve o que ficar em seus assomos.
Que nem a cinza reste
daquilo que nós fomos.
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