Rolando em formato VHS, num ruidoso vídeo-gravador lá de casa, o pequeno filme mostra o meu pai a calcorrear o seu recém-adquirido terreno. Por detrás da câmara (sei-o bem) está o nosso primo T., igualmente entusiasmado com a solenidade do momento e, por esse mesmo motivo, lançando aqui e ali joviais comentários, num misto de legenda descritiva e observação pessoal. E o meu pai, protagonista daqueles quinze minutos de fita, vai inspeccionando as vetustas oliveiras, as árvores de fruto por ele já entretanto plantadas e, claro está, a edificação da futura casa rural.
O céu está carregado de água e o vento sopra forte pelas ramagens, reverberando na captação de som da câmara. No canto inferior esquerdo da imagem, a gravação regista uma data: 8 de Abril do ano 2000.
Sabe bem ver estas coisas. O terreno está hoje bem diferente. Mais árvores, uma cerca nova, os nossos cães aspirando insectos e ladrando aos rebanhos inacessíveis. O filme continua. O meu pai conversa agora com o caseiro, dando os primeiros passos na aprendizagem de uma língua quase nova. E de repente, sem que nada o fizesse prever, o nosso primo T., de rosto sempre ocultado pela câmara que ele próprio maneja, atira assim para o ar: Daqui a dez anos vamos olhar para isto e achar imensa piada. Assim mesmo, em off, qual oráculo invisível, quase despropositado.
Está uma pessoa a ver um filme antigo, com um tranquilo sorriso nos lábios, e dá por si diante do próprio tempo. Absolutamente diante daquilo que é o tempo. E parece que ele nos diz, disfarçado de filminho doméstico: aguenta-te à bronca.
1 comentário:
E nós - sem grandes escolhas - aguentamos.
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