quarta-feira, agosto 05, 2009

Portuguesia - Apontamentos 4

Primeira mesa de debate: liberdade, experiência, linguagens. O meu amigo R.V., interveniente nesta primeira leva de participações, solicita-me que da plateia vá tirando umas fotos para a posteridade. Para além de R.V., intervêm a poeta portuense F.L., com um curto texto ficcional da sua lavra, e o inesperadamente controverso J.B.A., cujo longo excurso sobre o lugar e função da poesia fará deflagrar entre a assistência pequenos focos de incêndio. Sinto que, apesar das declarações proferidas, há ali gente já à espera da mais ínfima acha para dar largas ao fogo. J.B.A. alega que Portugal não é afinal uma nação de poetas, que pouco se publica e menos ainda se lê. Depois alonga-se sobre a poesia também enquanto instrumento de denúncia, reflexão que, parecendo-me perfeitamente aceitável, causa algum desconforto entre a assistência, sabendo-se que ainda vivemos em tempos de uma manifesta aversão a quaisquer perspectivas sugestivas da experiência neo-realista. Depois de uma troca de palavras algo azeda com um também poeta da assistência (havia por lá mais poetas que propriamente gente), J.S.B. conclui, afirmando que, na sua opinião, Eugénio teria sido, até à sua morte, o maior poeta vivo português. E logo da assistência, atrás de mim, sinto reverberar uma voz que contradiz: "isso é na sua opinião!" Enfim, do que os poetas se lembram de levar a peito. Coisinhas destas, senhores, nem muito mais nem muito menos.


A segunda mesa conta com a minha participação, juntamente com o poeta A.S. e a brasileira B.P. O tema é "safra nova". Estou desorientado quanto ao que dizer. Decidi confiar nos desafios ou meadas do moderador, e este comporta-se à altura. Fala um pouco de nós e do nosso breve percurso. Nós, por nosso lado, confessamos a nossa ainda perplexidade perante o próprio acto da criação poética, algo que eu pessoalmente poderia descrever como permanente surpresa, mas que A.S. encara com algum aparente desalento. Da assistência, o simpatiquíssimo E.M.M.C. lança uma certa recomendação aos jovens poetas: aceitai a perplexidade, cultivai o constante deslumbramento, nada mais, ou nada menos, pode e deve ser a poesia. Por sugestão do moderador da mesa, o debate chega ainda ao sensível ponto da chamada geração de 90, e essa já conhecida (porque ancestral e recorrente) e algo redutora oposição entre poesia do real (recentemente chamada "do quotidiano") e o exercício poético mais formal ou mais interessado na exploração dos recursos e virtuosismos da linguagem. Sou chamado a dizer algo sobre isto. Parece-me difícil, simplista até, falar destas supostas facções como se de categorias exactas se tratassem. Passa-me pela cabeça, sem que o diga, esta nossa necessidade intelectual de etiquetar, arrumar tudo, organizar poesia em classes quase naturais, como se fossem espécies animais ou botânicas. Prefiro a análise individual de um texto, de um livro, de um poeta. Ou o desenvolvimento de um qualquer veio de reflexão. Sim, prefiro isso...



Estamos por esta altura todos já cansados. W.S. propõe algumas leituras, mas eu escuso-me da sala para fumar um cigarro. Quando regresso ao auditório, para ver onde páram as modas, encontram-se no palco um senhor de capa negra e uma jovem de guitarra portuguesa nas mãos. Uma parelha coimbrã que durante a meia-hora seguinte aliviará o ambiente com alguma poesia canónica e algumas canções do Mondego, a última das quais uma paródia que a todos põe bem-dispostos. Tolices de fim de noite. Regressamos ao hotel, onde me recolho ao quarto para adormecer algo inquieto. As camas estranhas, eu sei. Essas superfícies que o corpo desconhece trazem-me por vezes alguns transtornos ao sono que se quer dos justos.

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