Estou a descer a rua a passo lento, com o sol de fim de tarde pela frente. Estou com tempo. Tenho este defeito (eu digo qualidade, ainda que de fraco lucro) de sair de casa com excessiva antecedência para um compromisso. Mais uma vez calculei mal o tempo que levaria a pé de casa ao lugar combinado. Estou com tempo, portanto. Caminho a passo lento, lançando o olhar por cada esquina e fachada, parando para inspeccionar as ementas de restaurantes, aberto às propostas de todos os cartazes e aos alertas, por vezes confissões, dos verbais rabiscos de parede.
A meio da rua, aí a uns cem metros à minha frente, topo com um rapazola encostado a um carro. É jovem, o moço. Não terá mais de catorze anos. Quinze, no máximo. Está todo arranjadinho, com calça de vinco, camisa engomada, sapatinho e blazer. Um homenzinho, já. E fuma o seu cigarrito, o gaiato. Que peça. Encostado a um carro, todo pimpão, de mão esquerda no bolso da calça clássica e na direita um adulto cigarro. Acho piada a esta juventude, toda já senhora de si. Agora já estou perto dele, caminhando lento do outro lado do passeio. Estou bem disposto. O último calor do dia banha-me a cara, a cidade passa por mim sossegada. Resolvo atirar um comentário gratuito, em jeito de amistosa interacção. "Larga o tabaco, moço. Isso é terrível". O rapaz levanta o olhar, avalia-me o tipo e responde, mais seco que um austral deserto. "Moço é o seu avô. E meta-se na sua vida, se não se importa". Nesse exacto momento entreabre-se a porta do prédio diante do qual o carro está estacionado. Uma mulher na casa dos trinta assoma ao passeio, segurando um berço de bebé. O rapaz vai em seu auxílio, segura no aparatoso berço, abre a porta de trás do automóvel e trata de acomodar a criança (essa sim, bastante jovem, embora por esta altura já eu não ponha as mãos no fogo).
Retomo a minha marcha lenta, atarantado com tamanho erro de julgamento da minha parte. Assisto ainda, pelo canto do olho, a uma beijo na boca entre a parideira de meia-idade e o seu suposto marido, que ainda continua a parecer-me um miúdo de escola, com aquele seu ar de primeira comunhão. Penso para mim que acabei de trocar umas palavras com o ser mais novo que alguma vez pisou a face da terra.
Retomo a minha marcha lenta, atarantado com tamanho erro de julgamento da minha parte. Assisto ainda, pelo canto do olho, a uma beijo na boca entre a parideira de meia-idade e o seu suposto marido, que ainda continua a parecer-me um miúdo de escola, com aquele seu ar de primeira comunhão. Penso para mim que acabei de trocar umas palavras com o ser mais novo que alguma vez pisou a face da terra.
3 comentários:
Não desanimes, João. ;)
Grande parte da juventude acaba por ser assim, mas ainda há bons jovens. A esperança é a última a morrer. Ainda havemos de construir um bom futuro para nós e para o nosso país :P
"Penso para mim que acabei de trocar umas palavras com o ser mais novo que alguma vez pisou a face da terra."
Se vc não fosse um escritor, diria que é um mentiroso. rs :P
Ficcionista! Ficcionista!
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