Eu nunca tinha visto uma fotografia do poeta ao lado do seu filho. Encontrei-a numa revista académica, um pequeno volume que lhe dedicava a esmagadora maioria das páginas. A mediar os artigos, os poemas e os excertos de longos poemas, lá apareciam a preto e branco fotografias várias, a infância pequena, a juventude e também o poeta com o filho, em pose para a objectiva. É evidente que o que me impressionara não fora unicamente a fotografia, mas a fotografia associada ao conhecimento da tragédia que se passara entretanto. O factor tempo, o seu passar constante e imperceptível, mostrava mais uma vez as suas garras cruéis, e ao olhar para aquela fotografia, com os sorrisos levemente esboçados em jeito de tranquilidade pura, não pude deixar de pensar que o poeta e o seu filho não podiam nessa altura sequer suspeitar do que aonteceria tempos depois. Essa constatação, quando confrontada com o meu conhecimento de todo o drama, era absolutamente monstruosa. Concluí que o que tanto me impressionava era, não tanto a fotografia em si, inocente retrato de família, mas o tempo a que se reportava. E não só o tempo a que se reportava, mas igualmente a distância de tempo que me separava desse tempo e tudo o que de tragicamente relevante sucedera nesse período. E a fotografia do poeta com o seu filho deixava assim de ser a fotografia do poeta com o seu filho, como o haviam pretendido os editores da mencionada revista. A fotografia do poeta com o seu filho tornava-se agora o retrato da angústia, do horror, do desconsolo.
1 comentário:
Há umas entradas atrás, escreveste num poema:
"(o verso narrativo,
o descritivo também,
há-de um dia ser o meu fim)"
Ao começar a ler este texto, esperava uma promissora narrativa, uma narrativa sobre fotografias, talvez sobre um álbum de família alheia.
Continua a escrever, já sabes que cá venho eu e vêm muitos mais.
Francisco (Barcelona)
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